quarta-feira, 21 de agosto de 2013

"NÃO DEPILEI POR 14 ANOS"


Essa matéria me chamou bastante atenção pela sinceridade e pela atitude da colunista da ÉPOCA, Ruth de Aquino, em ficar 14 anos sem se depilar simplesmente por achar bonito.
Bom, o que vale é a pessoa estar bem consigo mesma.

Vale a pena ler o texto abaixo. É "grandinho" mas não é desgastante:




Não depilei pêlo nenhum durante 14 anos. Por quê? Achava bonito. Ponto

Nem axila, nem virilha, nem perna ou sobrancelha. Dos 22 aos 36 anos, mantive meus pêlos intactos. Por opção. Nanda, acho os seus lindos.

Quando observo a imensa polêmica provocada pelos pêlos pubianos (vou manter o acento circunflexo diferencial que foi 'raspado' pela reforma tola) da sensual Nanda Costa, fico estarrecida. Não é que eu não entenda o espírito da coisa. Sei que muitos homens – e talvez principalmente mulheres – detestam a não-depilação. Há argumentos climaticamente corretos. Muito pêlo seria anti-higiênico num país tropical. Mas e a enorme maioria de homens que (ainda) não tiram um pêlo sequer? Eles deixam de ser atraentes ou cheirosos por não depilar? Não, não é isso, Ruth, mulher é outra coisa. Mulher precisa ser lisinha, depiladinha. O problema maior é estético e cultural. Mulher com pêlos costuma escandalizar, por ser “horrível”, "prova de desleixo e negligência"! Masculinidade, ui!

Eu não depilei nada (repetindo: nada – de axila a virilha a perna e sobrancelha) dos 22 anos aos 36 anos. Por quê? Porque fui para Londres aos 22, vi muitas mulheres sem depilar nas praias e nos parques da Europa, vi atrizes no cinema sem depilar. As italianas, que máximo. E achava bonito. Repito: “bonito, belo, natural”. Além disso, dava trabalho raspar e, no fim das contas, também significava ‘atitude’. Era uma postura de liberdade no fim dos anos 70 e, depois, também na década de 1980. Não me sentia menos feminina. Mais fêmea talvez.

Não depilar era, mesmo sem muita consciência, uma atitude política minha. Eu começava a perceber como a desigualdade sexual (nem se falava em “gêneros" naqueles tempos) transcendia países e continentes e se traduzia nos atos mais prosaicos e cotidianos. Homem podia, mulher não podia. Homem conseguia, mulher não. Resolvi deixar a Natureza seguir seu curso, como meu companheiro daqueles tempos, um engenheiro que fazia doutorado no Imperial College, que detestava se barbear e que depois se tornou pai de meu primeiro filho.

Trabalhava na BBC, no serviço brasileiro. A rádio era de ondas curtas, mas os cabelos eram compridos, até a cintura...Não usava maquiagem nem esmalte. Esses produtos inexistiam em meu semibasement (apartamento metade para cima e metade para baixo do rés do chão) em Hampstead, bairro ao Noroeste de Londres.

Voltei para o Brasil – para o Rio, minha cidade favorita, junto com Londres – aos 26 anos. Dos biquínis europeus, só trouxe a parte de baixo. Tentei ir à praia no Rio como ia na Europa, de topless. Não consegui, porque era sempre escandaloso em vez de ser algo natural. O contrário do objetivo. Mas mantive meus pêlos, só clareava os da perna e aparava os da virilha, para não incomodar em tantos dias de praia e frescobol. Não queria chocar, só continuar sendo eu mesma. Na verdade, não entendia por que eu tinha que me depilar ou me casar oficialmente. Não queria fazer uma coisa nem outra.

Não percebi nenhum efeito negativo dos meus pêlos entre homens que eu desejava. Digamos que “os homens que eu queria amar e seduzir” eram exatamente os que estavam se lixando para esse detalhe. Alguns, ao contrário, intuíam que, por trás dos pêlos, havia uma jovem mulher independente e eles cobiçavam essa liberdade. Passado o primeiro instante de surpresa e perguntas, homens me achavam só “diferente” – e, de alguma forma, se não se orgulhavam, ao menos respeitavam. Amigas me questionavam mais. Mas as verdadeiras acabaram também por esquecer o assunto.

Comecei a trabalhar no Jornal do Brasil em 1981. Tive dois filhos. Tornei-me editora internacional. Fiquei 10 anos nessa redação mítica do JB, com colegas e chefes maravilhosos. Volta e meia alguém mais íntimo tomava coragem e me perguntava por que eu não depilava nada. Porque acho bonito, respondia. Não evitava saias ou então blusas e vestidos sem manga. Não procurava esconder nem exibir. Enfim, quem me conhecia passou a achar normal – a não ser a família, que me perguntava quando afinal eu ia parar com “essa mania”. Quem não me conhecia não entendia mesmo. Na praia, quando eu levantava o braço, olhares se concentravam na minha axila. Tinha gente encarando hipnotizada a minha virilha. Nas festas, com vestidos decotados, de novo eu percebia olhares disfarçados de reprovação ou incredulidade. Tive dois filhos, aos 27 e aos 32 anos. Sempre com meus pêlos, que eram parte de mim.

Em 1990, fui correspondente de Fórmula-1 para o JB, baseada na Europa. O piloto Nelson Piquet – um doce de pessoa (não com Ayrton Senna, mas sempre sedutor comigo e com qualquer rabo de saia) – me perguntou quando seria meu aniversário. Eu perguntei por quê. “Para te dar de presente um aparelho de gilete”, riu, travessamente. E eu também ri, nunca me sentia ofendida, ainda mais quando o tom era carinhoso...mas acrescentei: “Piquet, não me lembro de ter dado essa confiança a você”. E rimos os dois.

Meus pêlos me acompanharam incólumes, portanto, durante quase 14 anos. A foto deste post me mostra numa praia ao Sul da França, entre uma corrida e outra de F-1, antes de ir para o autódromo, onde eu era uma das duas únicas correspondentes mulheres, num mar de 300 tubarões masculinos cobrindo automobilismo. Não eram discretos os meus pêlos. Nunca foram.

Finalmente, de volta mais uma vez ao Brasil, em 1991, assumindo a chefia de reportagem do jornal carioca O Dia, comecei a cortar, depois raspar, depois depilar totalmente os pêlos externos. Por quê? Cansei, talvez, de ser referência para o bem ou para o mal. Ou porque também cortei os cabelos longos na altura dos ombros. Porque estava mais velha, aos 36 anos (!!! rsrsrsrsrsrs). Ou porque os pêlos abundantes pararam de combinar comigo, ou porque a década já era de 1990 e os valores hippies e radicalmente feministas tinham ficado no passado, sei lá. Não fiz análise para saber o motivo. Passei a pintar as unhas (algumas amigas dos tempos londrinos ficaram escandalizadas!) e a usar maquiagem leve (“Como assim, Ruth? Rendeu-se à vaidade feminina? Batom???!!!”). Mulher não é fácil.

Enfim, mudamos, mudamos, mudamos. Que bom poder mudar. Por fora e por dentro. E me interessam sobretudo as mudanças por dentro. Que hoje eu seja uma pessoa melhor, espero. Ainda cheia de defeitos. Porém, melhor. E sempre transgressora, de alguma forma.

Assim, por favor, não me venham de borzeguins ao leito. Falar dos pêlos da Nanda como se fossem revolucionários ou feios é um pouco demais. Eles são lindos e naturais, Nanda. É a minha opinião pessoal, claro, porque assino o post e a minha vida.
Fonte: epoca.globo.com/veja.abril.com.br